segunda-feira, 29 de abril de 2013

O que fez com que os gregos tivessem a necessidade de criar a filosofia, a política e o espaço público?

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As origens de conceitos que hoje vemos como algo tão natural, tais como a civilização e a política, surgem numa época distante, e que, foram marco importante para o que conhecemos hoje. As concepções que temos desses que são para nós termos já tão discutidos e de convivência desde os primórdios, teriam suas primeiras percepções entre os séculos IX e VII a.C. Uma pergunta aguça nossa curiosidade: o que fez com que os gregos tivessem a necessidade de criar a filosofia, a política e o espaço público?
Braudel (Gramática das Civilizações. São Paulo: Martins Fontes, 2004), vê o Mediterrâneo antigo como um conjunto de conquistas. Para ele a sociedade modifica o ambiente. Ainda que a geografia não interfira o meio, ela modifica e se relaciona com a história. A palavra ‘civilização’, tem origem na antiguidade, mas somente no século XVIII durante o Iluminismo na Franca, a palavra cria significação e surge como é vista hoje. Falar em civilização é falar em espaço, que não permanece alterado, mas, muda. As tensões sociais geram as primeiras civilizações, que são econômicas e materialistas. Além de espaços, economias e sociedades, a civilização também é mentalidade coletiva que são ainda, relações coletivas. 
Muito antes de se conhecer os conceitos de política e civilização, o chamado “milagre grego” nas suas formas de falar e escrever deu ao mundo duas facetas: os lineares Alfa e Beta (A e B). Esses dois lineares deram à Grécia suas peculiaridades, personalizando e dando ao grego as propriedades que desde a antiguidade o coloca como diferencial na história da humanidade. Mas, esse povo tão respeitado pelas suas conquistas eram na verdade, povos imigrantes mestiços oriundos da mistificação de tribos e de etnias tanto do Ocidente quanto do Oriente. Podemos perceber isso citando Jean-Pierre Vernant em “As Origens do Pensamento Grego”, já no primeiro capítulo, página 13:

No começo do II milênio, o Mediterrâneo não marca ainda em suas duas margens uma separação entre o Oriente e o Ocidente. O mundo egeu e a península grega se ligam sem descontinuidade, como povoação e como cultura, de um lado com o planalto Anatólio, pela série das Cíclades e das Espórades, e de outro, por Rodes, pela Cilícia, por Chipre e costa norte da Síria, com a Mesopotãmia e o Irã. Quando Creta sai do Cicládico, em cujo decurso dominam as relações com a Anatólia, e quando constrói em Festos, Mália e Cnossos sua primeira civilização palaciana (2000-1700), permanece orientada para os grandes reinos do Oriente Próximo.

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“Entre 2000 e 1900 a.C. uma população nova irrompe na Grécia continental” (As Origens do Pensamento Grego. São Paulo: DIFEL, 2010, p. 14). As características que marcaram o Heládico antigo, como os utensílios domésticos, a cerâmica, as ferramentas e as armas, passam por modificações e outros traços rompem, marcando a ruptura do homem e da civilização da idade anterior. As invasões vão se tornando cada vez mais sucessivas e a colonização no Mediterrâneo ocidental vão constituir o mundo grego como conhecemos. O antepassado do homem grego é de vários lugares. “Seu aparecimento nas margens do Mediterrâneo não constitui um fenômeno isolado” (As Origens do Pensamento Grego. São Paulo: DIFEL, 2010, p. 14). Vários traços de novas civilizações e povos surgem, dando a condição do que o grego se torna. Tróia, Creta e outras vão se tornando gregas como a Grécia se tornando uma colonização. Maneiras de se eternizar esses acontecimentos transformam a história, como através de escritas em facetas de barro que quando importantes, eram queimadas para se tornar um fato histórico.

Creta lhes revelou um modo de vista e de pensamento inteiramente novo para eles. Já se esboçou esta cretização  progressiva do mundo micênico que resultará, após 1450, numa civilização palaciana comum na ilha Grécia continental.

Ainda não existia a polis e para Vernant, “enquanto não existiam as cidades, não existia a política”. O surgimento do que seria a polis acontece com a crise da soberania e o desaparecimento do ánax. Surge a ideia do corpo social, o uno.

Poder de conflito – poder de união. Eris-Philia: essas duas entidades divinas, opostas e complementares, marcam como que os dois pólos da vida social no mundo aristocrático que sucede as antigas realezas. A exaltação dos valores de luta, de concorrência, de rivalidade associa-se ao sentimento de dependência para com uma só e mesma comunidade, para com uma exigência de unidade e de unificações sociais.

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Refletido essas expressões, o grego vê a implicação de uma centralização política e administrativa. Junto nasciam os conflitos, a disputa por meios de produção e o acesso ao território e sua defesa. O comum deve ser o comum de todos. Os palácios não têm mais o efeito de oponente e surge a centralização da cidade: a Ágora. Como o espaço da Ágora definido, “Esse quadro urbano define efetivamente um espaço mental: descobre um novo horizonte espiritual. Desde que se centraliza na praça pública, a cidade já é, no sentido pleno do termo, uma polis.” (As Origens do Pensamento Grego. São Paulo: DIFEL, 2010, p. 51).
“O conflito foi uma das chaves da história das cidades-estado” (História da Cidadania. São Paulo: Contexto, 2008, p. 36). Em contrapartida, todos eram iguais. Norberto Luiz Guarinello no capítulo ‘Cidades-Estado na Antiguidade Clássica’, comenta ainda:

É um período de grandes transformações econômicas e sociais, quase uma revolução. Assim como os Estados-nacionais devem sua consolação, senão sua formação, à industrialização, ao desenvolvimento do capitalismo e á expansão imperialista da Europa no século XIX, as cidades-estado também surgiram num quadro de grandes mudanças econômicas e sociais, ainda que suas novidades seja, hoje, difícil de perceber. 

“As cidades-estados surgiram, assim, num quadro de crescimento econômico e social” (História da Cidadania. São Paulo: Contexto, 2008, p. 32).

O termo “cidade-estado” não se refere ao que hoje entendemos por “cidade”, mas a um território agrícola composto por uma ou mais planícies de variada extensão, ocupado e explorado por populações essencialmente camponesas, que assim permaneceram mesmo nos períodos de mais intensa urbanização no mundo antigo.

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A organização comunitária traça o panorama do conceito de cidade-estado. Sua formação através de associações de proprietários privados da terra dava acesso apenas àqueles que fossem membros da comunidade. Fechadas, as cidades-estados se erguiam e se estruturavam entre indivíduo e comunidade. Tudo era a mesma coisa, desde que o indivíduo fosse visto como cidadão, e, a ausência de um poder superior gerava conflitos. Eram os interesses em conflito que geravam as disputas internas, oriundos pelas regras de exclusão e inclusão do no espaço público.

Indivíduo e comunidade, portanto, não se negavam reciprocamente na cidade-estado antiga, mas, se integravam numa relação dialética. O indivíduo, proprietário autônomo de seus meios de subsistência e de riqueza, só existia e era possível no quadro de uma comunidade concreta – que possuía, por assim dizer, de modo virtual o território agrícola. Propriedade individual da terra, fechamento do acesso ao território e ausência de um poder superior que regulasse as relações entre os camponeses foram os fatores essenciais na história dessas comunidades camponesas.

Três fontes de diferenciação interna ilustram a diferenciação nas cidades-estados. A primeira, a das mulheres que, embora, tinham sua posição diferenciada em cada cidade, permanecida à margem da vida pública, sem direito á participação política, sem direitos individuais, sob tutela e dominadas pelo homem que considerava o lar como o único apropriado ao gênero feminino. Consideradas membros menores da comunidade, eram consideradas não-cidadãs.
O segundo elemento de conflito surge com a diferenciação de jovens e idosos dentro do controle das cidades-estados. Como eram fundadas e legitimadas nas tradições, os velhos tinham domínios sobre os jovens e mesmo sobre questões como as militares.
O terceiro elemento de conflito é o mais importante, pois tem suas origens na propriedade privada da terra – o principal meio de produção e responsável pelas relações de trabalho com a comunidade. 

Desde que temos registros, escritos ou arqueológicos, as cidades-estados aparecem marcadas por profundas clivagens sociais: grandes, médios e pequenos proprietários, estes últimos, muitas vezes, no limiar da subsistência; camponeses sem terra, que alugavam sua força de trabalho para um grande senhor; e os não camponeses, como artesãos e comerciantes, que habitavam o núcleo urbano e cuja posição, no seio da comunidade, foi sempre ambígua.

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Mais que uma cidade, a polis é uma ideia política. Uma concepção de sociedade.  Aristóteles via como uma comunidade de cidadãos.  Com o processo de formação da polis a ideia de propriedade privada, faz da terra uma comunidade de proprietários, que a defendem sem a presença de um soberano/rei. Sem a presença desse ‘rei’(ánax), os problemas eram resolvidos pelo coletivo. Aparece ainda o cerco do território, dando-se a organização da comunidade que não mais pertence a uma tribo ou coisa parecida.
A polis tem a identidade do coletivo. Na parte mais alta da polis, a Acrópole, essa ideia é um pouco minimizada, mas ainda sim, formada por coletivos. As poleis têm toda a identidade de seus cidadãos, além de ser uma sociedade política. A ideia de Política do mundo antigo não tem raízes concretas. Moses Finley, em Política no Mundo Antigo comenta as fontes que não são claras em dizer quem foram de fato os percussores do conceito de política.

A política, no sentido que lhe damos, insere-se nas atividades humanas do mundo pré-moderno. Com efeito, foi uma invenção grega ou, talvez mais corretamente, invenções independentes de Gregos, de Estruscos e/ou Romanos. Segundo se presume, existiam outras comunidades políticas no Próximo Oriente, pelo menos entre os Fenícios, que depois trouxeram as suas instituições para Catargo, no Ocidente.

E completa: “As fontes não nos dão grande ajuda. Os Gregos e os Romanos inventaram a política e, como todos sabem, inventaram também a história política, ou antes, a história da guerra e da política. Mas aquilo que todos sabem é impreciso: os historiadores que se dedicam à Antiguidade escreveram sobre a história dos planos políticos (policy), o que não é o mesmo que política (politics); escreveram primeiramente sobre os planos de política externa, ocupando-se da mecânica da realização desses planos (à parte os discursos no Senado ou na Assembléia) apenas em momentos de conflito agudo com tendência para a guerra civil” (Política no Mundo Antigo. Lisboa: Edições 70, 1983, p. 71).
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A história da Grécia Antiga é única e limitada a uma região que demarca o mapa do mundo. Todavia, não é a história do mundo nem da humanidade. Duas visões dão o sentido da historiografia para a antiguidade clássica. Braudel vê a necessidade do historiador em ter uma percepção multidisciplinar, através da sociologia, da filosofia, da psicologia e da antropologia. Para Guarinelo, “Se há contribuição cabível ao historiador da Antiguidade, é justamente aproximar dois mundos diferentes, mantendo sempre a consciência dessa distinção, e evidenciar processos históricos que podem iluminar os limites e as possibilidades da ação humana no campo das relações entre indivíduos. (História da Cidadania. São Paulo: Contexto, 2008, p. 29).